sexta-feira, 6 de maio de 2011

Grande sertão, de Júlio Veredas, na Biblioteca Municipal de Sorocaba



Árido mas não estéril, o sertão de Guimarães Rosa é a fonte de inspiração do artista plástico Júlio Veredas em sua nova exposição "...além Travessia", que aconteceu na Biblioteca Municipal de Sorocaba entre os dias 07 e 24 de abril.

As 20 pinturas sobre papel, além de duas telas e duas colagens, que compõem a exposição, nasceram a partir da leitura do livro "Travessia", da jornalista e editora do jornal Cruzeiro do Sul Juliana Simonetti. A publicação foi lançada no início do ano passado. "Quando li "Travessia", senti que Juliana havia tido uma experiência singular e tinha conseguido transmitir isso para o papel com muita maestria. A linguagem plástica foi se apresentando a mim conforme a leitura fácil, com fluidez, que me envolvia. A riqueza de detalhes, os ambientes descritos, a experiência concreta, os aspectos amplos das conversas, criou uma profundidade muito expressiva, individual", relata o artista, que já traz as Veredas imortalizadas por Guimarães no nome.

 Seguindo a trilha de Rosa, Juliana acompanhou, em 2007, uma comitiva no sertão de Minas Gerais (um trajeto de 248 km), montada em uma mula. Foi o mesmo caminho percorrido na década de 1950 por Guimarães Rosa, e que rendeu ao escritor célebres histórias e personagens que viriam a compor duas grandes obras: "Manuelzão e Miguilim" e "Grande Sertão: Veredas".

Júlio Veredas, que já trabalhou com a obra de Guimarães Rosa, não precisou entrecortar o sertão à maneira do escritor e da jornalista. A abstração do artista, que mergulhou na narração minuciosa do sertanejo apresentada em "Travessia", foi o suficiente para que retratasse o universo relatado por Juliana, com riqueza de detalhes.

 Bois, sol, lua, cruzes e até o ondulado dos cabelos da jornalista são algumas das imagens construídas pelo artista sob tons e texturas que remetem ao rústico do sertão.

 Para as obras, Veredas utilizou uma técnica especial criada por ele, que aliás já foi utilizada em uma exposição na Bahia sobre os "Poemas Eskolhydos", de Glauber Rocha. "É uma técnica de pintura sobre papel especial que é impermeabilizado, pesquisei isso por três anos", explica Veredas.

Tal qual alguns sertanejos narrados por Juliana Simonetti, Júlio Veredas também é apreciador do silêncio. Introspectivo e avesso a badalações, um dos mais importantes artistas de Sorocaba passa a maior parte do tempo em seu ateliê, produzindo. E se não está produzindo, Júlio está se inspirando com leituras e música, essa, uma paixão que foi responsável pelo início de carreira do artista que, ainda jovem, teve contato com a música de Elomar Figueira Mello, não por acaso, um cantador da vida sertaneja. Gostou tanto que só ouviu, durante anos, as composições do artista. Como com a leitura do livro "Travessia", a música de Elomar também inspirou Veredas, que acabou reproduzindo em desenhos a obra do músico. "Cheguei a 300 desenhos, que dei o nome de "Um Lado Medieval do Nordeste"", conta.

Certo dia, em São Paulo, parou em frente ao Museu de Arte de São Paulo (Masp) e deixou esses desenhos para que avaliassem. A resposta veio em forma de elogio e convite para uma exposição. A primeira e ainda por cima no Masp, onde não é fácil um artista conseguir expor, principalmente individualmente. "Comecei então minha carreira de artista plástico", sintetiza Veredas.

Mas o melhor ainda estava por vir. Em turnê em São Paulo, Elomar ficou sabendo da exposição e quis conhecer, a obra e o artista. Aprovou os dois. Acabaram se tornando grandes amigos, a ponto de Veredas mudar-se para a Bahia e por um tempo atuar como procurador do cantor, também avesso a badalações e que leva sua vida em uma fazenda, em Vitória da Conquista (BA), longe dos holofotes da mídia.

A amizade continua, regada por telefonemas, mas Veredas segue em Sorocaba. No momento, além da exposição "...além Travessia", produz uma série de telas sobre o livro "O Processo", de Franz Kafka.

Não sai muito do seu ateliê mas não está desatento as novidades, principalmente na área de artes plásticas. "Vale a pena conhecer o trabalho de Flávia Aguilera", adianta Veredas, sobre a artista sorocabana que aponta como promessa.

Fonte: Notícia publicada na edição de 07/04/2011 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 001 do caderno C.